quinta-feira, 22 de julho de 2010

Princípio da insignificância: instrumento de contenção do populismo penal


Autor: Luiz Flávio Gomes;
LUIZ FLÁVIO GOMES

Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP, Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG e Co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br.

Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância: instrumento de contenção do populismo penal. Disponível em http://www.lfg.com.br - 15 de julho de 2010.



O princípio da insignificância (como sublinhei da segunda edição do meu livro, com este título, publicado pela Editora RT: São Paulo, 2010) está se revelando cada vez mais premente na medida em que se incrementa a tal política de tolerância zero, que só atinge as camadas sociais mais baixas da população. Essa linha dura do populismo penal tem como resultado a captação (para dentro do sistema penal) de fatos absolutamente insignificantes.

Se o juiz não se posiciona (humanística e racionalmente) como uma agência redutora (de contenção) do punitivismo estatal, ele se converte numa “correia de transmissão” das iniquidades dessa “fábrica” de violência que se chama “sistema penal”.

O princípio da insignificância tem (sobretudo agora, diante do avanço do populismo penal) um grande papel a cumprir. Papel de filtro, papel de contenção, papel dogmático de causa de exclusão da tipicidade material. É por meio dele que retiramos vários conflitos no sistema penal, que continua marcado pela desigualdade, seletividade e discriminatoriedade.

Somente alguns fatos delituosos é que chegam ao conhecimento do sistema penal. Esses fatos são criteriosamente selecionados. A Polícia Federal seleciona os seus (para alcançar criminosos do colarinho branco). A Polícia civil e militar seleciona os delas (pobres miseráveis, excluídos, escolhidos ou captados muitas vezes pelo critério da “cara de prontuário”).

O sistema penal, quando globalmente considerado, na medida em não incide contra todos igualmente, não se apresenta como um instrumento de controle social ético. O sistema penal não é ético, quando visto em sua globalidade (porque é desigual, seletivo e discriminatório, seja o escolhido um rico, apanhado pela Polícia Federal, seja o escolhido um pobre, captado pelas polícias civil e militar).

Se não se trata de um instrumento (globalmente) ético, não resta dúvida que a função do juiz torna-se bastante delicada. Se ele admite cumprir o papel de “correia de transmissão”, colocando a jurisdição no piloto automático, no fundo, passa cumprir também um papel pouco ético. Para legitimar a sua nobre função, não resta outro caminho ao juiz que o de se posicionar como agência de contenção do sistema punitivo estatal (nesse sentido: Zaffaroni), retirando das suas garras aquilo que a razoabilidade e a proporcionalidade indicam que seja retirado. Esse é o caso dos fatos absolutamente insignificantes.

Atenção especial deve merecer, de outro lado, a importante distinção entre a bagatela própria (fato que já nasce bagatelar, ao qual incide o princípio da insignificância) e a imprópria (fato que não nasce bagatelar, mas a pena, no final, se torna desnecessária – aqui incide o princípio da irrelevância penal do fato ou, mais propriamente, irrelevância da pena). A primeira deve ser reconhecida como um fato atípico (materialmente atípico). A segunda nos conduz ao mundo da necessidade ou desnecessidade da pena (que está contemplada expressamente no art. 59 do CP).

Que o princípio da insignificância (e correlatos) continuem servindo de instrumento de redução da violência punitiva estatal.

Fonte:http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20100712194526563

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