terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A possibilidade da citação por hora certa nos juizados especiais cíveis


Os juizados especiais cíveis são uma inovação trazida pela Constituição Federal (art.98, inciso I) posteriormente regulamentados pela Lei 9.099/95.

Em última análise regem-se pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, respaldando-se sempre por uma futura conciliação ou transação (artigo 2º da Lei 9.099/95). Isso quer dizer que, em qualquer hipótese, devem ser respeitados os preceitos supra mencionados para que se consiga da melhor forma possível alçar a resolução do litígio e, conseqüentemente, a pacificação social.

O presente diploma legislativo, ainda, estatui que a citação do réu far-se-á mediante carta registrada em mãos próprias - o famoso AR - e, em não sendo localizado o requerido, seja por haver se mudado, ou não estar presente, será citado através de oficial de justiça (art. 18 da Lei 9.099/95).

Ocorre, todavia, que na prática, a sistemática do juizado especial cível não vem contribuindo para que haja a harmonia social desejada.

Há, e sabe-se bem disso, réus desleais e desonestos cujas condutas visam a burlar a lei e dificultar a pretensão do autor. Ao serem citados por AR dizem ao carteiro que a pessoa que estava na residência ali não mais se encontra ou, ainda, que não se encontra no momento, vindo esse fato a se repetir nas demais tentativas para o encontrar.

Muito bem. Após essa notícia, muitas vezes, falaciosa, por parte do requerido, o seu chamamento para que compareça ao processo procede-se mediante oficial de justiça, o qual será mais uma vez avisado pelo demandado que o local não é o do indivíduo mencionado na demanda, que não existe ninguém no endereço com o nome referido no mandado, enfim, novamente resta fadada ao insucesso a tentativa de citar o réu. Dessa maneira, e não cabendo a citação por hora certa, tampouco por edital, o processo será extinto sem julgamento do mérito.

Sublinhe-se, no entanto, que caso se siga o rigorismo formal ventilado ter-se-á a forma como um meio em si mesma e, assim, o sepultamento do princípio da instrumentalidade do processo e o fim para o qual se presta: a pacificação social, conseqüência da tutela jurisdicional proferida ao final da lide.

Com efeito, sem que exista a formação da relação processual triangular (autor-juiz-réu) nenhuma pretensão irá ser julgada e, muito menos, resolvida a situação daquele que, desesperadamente procura o Judiciário por não ter a outra parte, amigavelmente, fornecido o bem da vida que o autor procura e que lhe é de direito, em tese. De outro lado, mesmo que não seja sua pretensão ao final acolhida, essa situação também há de ser reconhecida pelo juiz, fato inocorrente sem a presença do réu ao processo, pois sequer o processo formou-se , por faltar uma das pessoas da relação aludida.

Na voz de Cândido Rangel Dinamarco não são outros os ensinamentos que devem nortear a dinâmica processual (-in- Instituições de Direito Processual Civil, Vol. I. Malheiros Editores: São Paulo, 2001, p. 128) :

"Nesse quadro é que avulta a grande valia social do processo como elemento de pacificação. O escopo de pacificar pessoas mediante a eliminação de conflitos com justiça é, em última análise, a razão mais profunda pela qual o processo existe e se legitima na sociedade".

E continua o festejado autor (op. cit., p.246):

"O processo justo, celebrado com meios adequados e produtor de resultados justos, é o portador de tutela jurisdicional a quem tem razão, negando proteção a quem não a tenha. Não haveria justificativa para tanta preocupação com o processo, não fora para configura-lo, de aperfeiçoamento em aperfeiçoamento, como autêntico instrumento de condução à ordem jurídica justa".

Ora, como se observa não há como se extrair do procedimento sumaríssimo, calcado nos princípios velados pela Lei 9.099/95, principalmente o da informalidade e o da celeridade, a impossibilidade da citação por hora-certa.

É evidente que em um processo de resultados visa-se à tutela jurisdicional, isto é, uma resposta do Estado à solução do caso posto a sua análise, o que somente ocorrerá com a citação do réu, seja de forma real ou presumida. Esta última necessária nos casos em que o demandado tenta fraudar a sistemática do próprio juizado, escondendo-se, mentindo, postando-se desde o início com explícita má-fé. Caso assim não fosse, o autor teria, após meses de tentativas de citação por AR e por oficial, sem sucesso, de amargar com uma derrota processual e vir a alimentar o descrédito na Justiça e o rompimento do fim para o qual nasceu o processo: resolver os conflitos em sociedade.

Não há como se furtar da idéia de citar o requerido conivente com as artes da artimanha da má-fe por hora-certa, sob pena de se esvaziar a interpretação teleológica da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e do próprio fim para o qual foi criada. Além disso, o acesso à Justiça, constitucionalmente previsto, estaria lançado às traças, visto que sem citação, sem réu, sem tutela jurisdicional, e, conseqüentemente, sem justiça, o diploma legal referido seria letra morta.

Saliente-se, por fim, que o réu citado de forma ficta, não ficará desprovido de defesa, já que terá o contraditório e ampla defesa garantidos pela nomeação pelo juiz de curador especial, previsto pela própria lei referida (art. 56).

Não é outro o ensinamento da doutrina processualista (Dinamarco, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, Vol. III. Malheiros Editores: São Paulo, 2001, p. 787):

"Nada diz a lei a respeito da citação com hora-certa, mas também não a exclui e, além disso, ela não tem qualquer incompatibilidade com o sistema processual dos juizados especiais cíveis. Se ocorrer a necessidade de marcar hora-certa, o meirinho o fará e procederá pela forma determinada no Código de Processo Civil (arts. 227 e 228 - supra, n. 1039). Ficando revel o réu citado por essa forma de citação ficta, ele terá curador especial (CPC, art. 9º, inc. II), que o juiz lhe dará obrigatoriamente, sob pena de nulidade total do processo. Esse encargo caberá à defensoria pública, indispensavelmente presente no juizado (LJE, art. 56), ou mesmo, conforme a legislação local, a advogados que se disponham a aceitar o múnus."

Assim, diante da instrumentalidade apregoada pela doutrina moderna processual e, ao escopo social de pacificar atribuído ao processo, a formalidade e a visão restrita do instituto da citação como apregoada pela Lei 9.099/95 ferem a Constituição e a própria norma legal, já que veda o acesso à justiça e estraçalha as pilastras principiológicas que sustentam a criação dos juizados.

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