quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Isenção de tributo não pode ser tratada em lei ordinária


Por Erick Nilson Souto (Advogado em Belo Horizonte, MG)
A isenção da Cofins, veiculada pela Lei Complementar 70/91, para administradores, jornalistas, médicos, advogados, engenheiros, contadores, economistas e tantos outros trabalhadores que fazem da produção intelectual seu modo de sustento, é insistentemente questionada pela União que, inconformada, não se rende ao correto entendimento gravado na Súmula 276 do STJ: “As sociedades civis de prestação de serviços profissionais são isentas da Cofins, irrelevante o regime tributário adotado”.

Na verdade, a iresignação da União é mais econômica do que de direito, por causa de 22,9 mil ações que envolvem R$ 4,6 bilhões recolhidos indevidamente. Assim, com a calculadora na mão e maior proximidade do STF, a Procuradoria da Fazenda Nacional, que já havia perdido o mérito no STJ, conseguiu levar o tema para o Supremo, onde a discussão sobre a necessidade constitucional de lei complementar para veiculação da isenção em questão, ou sua revogação, vai ser submetida ao Plenário do tribunal por proposta do ministro Eros Grau no Recurso Extraordinário 377.457/PR.

O argumento em que a União se apega é que a ADC 1/1-DF teria afirmado que a LC 70/91 seria “materialmente ordinária”, permitindo a “revogação” pela Lei Ordinária 9.430/96, tese improcedente, pois esta ADC sequer esbarra na isenção da Cofins para os profissionais liberais.

Na Reclamação 2.475, por exemplo, o ministro Carlos Velloso é claro ao afirmar que, naquela decisão, não se lê que a LC 70/91 é lei complementar sob o ponto de vista formal. “E não está escrito no dispositivo da decisão porque o tribunal não decidiu. E não decidiu, primeiro, porque não foi pedido; segundo, porque para decidir pela constitucionalidade da LC 70/91, não seria necessário decidir ser essa lei complementar simplesmente formal”, voto acompanhado pelos ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence.

No mesmo sentido, em outro precedente do STF, na Rcl 2.517, o ministro Joaquim Barbosa assevera que a decisão da ADC 01/93 não assentou ser a LC 70/91 lei complementar simplesmente formal, do que leva a afirmar que não é. "No caso da ADC 1, a afirmação do ministro Moreira Alves de que a Lei Complementar 70/91 possui natureza de lei ordinária é um típico obter dictum [menção incidental, sem possibilidade de vinculação a outras decisões]” (acrescentamos).

Portanto, a Cofins e a isenção em questão foram instituídas por lei complementar porque existe reserva constitucional deste tipo para a regulação, ou ampliação, como queiram, dos limites ao poder de tributar da União estampado no artigo 146, inciso II, CF/88, não servindo lei ordinária para contrariar a isenção expressa na LC 70/91, que só pode ser realmente revogada por instrumento normativo de igual calibre.

Para se constatar esta premissa constitucional, vale a menção a José Souto Maior Borges (BORGES, José Souto Maior. Isenções tributárias. 2ª ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1980, p. 182-183), partindo das bases críticas lançadas por Becker (BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998), que entende as isenções como hipóteses de não incidência legalmente qualificadas, pelo que as normas de isenção diferenciar-se-iam das normas de imunidade apenas sob o ponto de vista formal e externo, já que estas últimas teriam base constitucional, porém ambas — isenções e imunidades — colocar-se-iam como normas de não-incidência tributária, ou seja, como normas de estrutura na medida em que delimitariam o campo de competência dos entes políticos responsáveis pela instituição de tributos.

As isenções, portanto, representam corolários do próprio poder de tributar e do princípio da legalidade tributária. Nesse sentido, são limitações legislativas ao poder de tributar, ou nas palavras de Fábio Fanucchi: “Em princípio, o poder de isentar decorre do poder de tributar. Isto é, aquela entidade que legisla sobre a imposição tributária é a mesma que tem competência para excluir o crédito tributário pela isenção” (FANUCCHI, Fábio. Curso de direito tributário brasileiro – vol. 1. 3ª ed. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 368;).

Diante desta correta conclusão, fica patente que o artigo 146, II, CF/88, reserva à lei complementar a veiculação de isenções, norma legal que restringe ou amplia os limites do poder de tributar do ente tributante; o que perfilado com o principio da hierarquia das leis desautoriza a suposta revogação do artigo 6º, inciso II, da LC 70/91, por lei ordinária. Como ensina o constitucionalista Alexandre de Moraes, ipsis litteris: “146.1 Lei Complementar em Matéria Tributária — A Constituição Federal reservou à lei complementar as matérias básicas de integração do Sistema Tributário Nacional. Em especial, o inciso II, do art. 146, estabelece competir à lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. Ressalte-se que essa previsão constitucional tem duas grandes características: a possibilidade de ampliação das restrições já previstas no texto constitucional e a impossibilidade de suprimir ou restringir as competências tributárias constitucionalmente deferidas” (MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 4ª Ed. São Paulo:Atlas, 2004. pg. 1.717).

Concluímos então que, sendo a isenção uma forma de limitação constitucional ao poder de tributar, a instituição da Cofins e a isenção aos profissionais liberais foi veiculada por lei complementar porque a matéria é reservada pelo artigo 146, inciso II, da carta maior, à esta espécie normativa, tornando inconstitucional a suposta “revogação” pela Lei Ordinária 9.430/96, ficando óbvia a improcedência da tese da União, tudo com vistas ao principio da segurança jurídica. Com a palavra o STF.

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