quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Visão atual do sistema processual e da classificação das ações


Por Vicente Greco Filho (é professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Procurador de Justiça aposentado.)

Sempre tive grande preocupação com a sistematização lógica do Direito, sua coerência e sua qualificação como ciência. Disse em outra oportunidade que dos ramos do Direito o Processual é o mais lógico, se essa qualidade pode ser atribuída àquele, uma vez que é uma estrutura criada pela inteligência humana, diferentemente do direito material que disciplina comportamentos sociais, mais ou menos, corriqueiros, mas da vida das pessoas.

Essa preocupação leva a uma visão crítica ou, no mínimo, de dúvi-da sobre os conceitos, especialmente os automaticamente repeti-dos mesmo depois de alteração da realidade fática ou jurídica.

Parece que isso está acontecendo com o Direito Processual en-quanto sistema e com a classificação das ações, inclusive na edi-ção que nesta data do dia 3 de março de 2006 está no prelo de nosso Direito Processual Civil Brasileiro, mas que caduca-ram ou não correspondem ao Direito Processual vigente no Brasil ou a entrar em vigor brevemente, ficando a promessa de na próxi-ma sejam apresentados os novos conceitos.

No que se refere ao sistema do Direito Processual são inegáveis os benefícios trazidos pela Teoria Geral do Processo, mas a sua for-mulação está incompleta havendo muito que fazer para se chegar a um abrangente conjunto de princípios omnivalentes, que informem o processo civil, o processo penal (comum e militar), o processo do trabalho e o processo eleitoral.

Reduzindo o grau de generalidade, deve ser formulada uma Teoria Geral do Processo Civil, uma do Processo Penal e assim por dian-te, com princípios plurivalentes. Reduzindo ainda mais o âmbito, cada um dos sistemas pode comportar subsistemas em círculos concêntricos ou na forma de organograma em que a célula superior abrange e informa as a ela inferiores.

Assim num primeiro nível dentro do sistema geral do Direito Pro-cessual, encontram-se os sistemas do Direito Processual Civil, do Direito Processual Penal, do Direito Processual do Trabalho e do Processo Eleitoral.

Dentro do Processo Civil é possível distinguir, sem a menor dúvida, a existência de três sistemas com princípios próprios: o do proces-so civil comum singular, o processo civil das ações coletivas e o processo civil dos juizados especiais.

Não é possível mais tentar entender, ou resolver problemas das ações coletivas, com os princípios do processo civil comum, que nasceu e foi idealizado a partir de um autor e um réu, como ocorria no processo romano da ordo judiciorum privatorum. O Pro-cesso Civil Brasileiro assim foi até a década de 1980, em que o li-tisconsórcio e a intervenção eram exceções, em que a legitimidade ordinária era da pessoa individualizada, e a extraordinária excep-cional; a litispendência e a coisa julgada exigiam a tríplice identida-de e limitavam-se às partes. O advento da Lei 7.347/85 e do Códi-go do Consumidor trouxe uma série de novos tratamentos para es-sas situações que, contudo, continuaram a ser analisadas do ponto de vista do processo singular, que se mostrou inadequado para re-solver questões como a da competência, da abrangência dos efei-tos da sentença e mesmo da coisa julgada nas ações de âmbito nacional, entre outras.

Não se percebeu, pelo menos imediatamente, que estava sendo instituído um novo sistema processual, que deve ser construído sob a luz de seus princípios próprios. Não se exclui a existência em ní-vel de maior generalidade, de uma teoria geral do processo civil, mas limitada aos conceitos que possam ser aplicados a ambos os sistemas. Assim, por exemplo, não pode mais se adotar um concei-to comum de legitimidade para agir: nas ações coletivas não se po-de dizer que na legitimação ordinária alguém age em nome próprio sobre direito próprio e na extraordinária alguém age em nome pró-prio sobre direito de terceiro, uma vez que nesse sistema ordinária é a legitimação das associações.

Parece que, após a formulação classificatória do que seria perten-cente a uma teoria geral do processo civil e o que merece trata-mento específico num ou noutro sistema, seria o caso de se pensar em um Código do Processo coletivo, com soluções próprias a seus objetivos.

O terceiro sistema a considerar é o dos juizados especiais, o qual, apesar de já ter nascido com autonomia um pouco maior, ainda se ressente de um atrelamento ao processo civil comum nem sempre coerente com os princípios próprios.

Fenômeno idêntico ocorre com o Processo Penal, o do Trabalho e o Eleitoral, que constituem não procedimentos especiais do proces-so comum, mas sistemas com princípios próprios e que comportam também subsistemas.

Não é possível, agora, sequer ensaiar a identificação dos princípios e seus diversos graus de generalidade, da Teoria Geral do Proces-so para os sistemas e subsistemas, mas fica o desafio que tenho certeza, se enfrentado trará valiosa contribuição ao estudo do Pro-cesso.

No que se refere à classificação das ações, são conhecidos os conceitos tradicionais, mas vale a pena repeti-los para, em seguida, apresentar a crise em que se encontram e tentar nova formulação.

Em época anterior à formulação dos princípios científicos do direito processual, por influência do direito romano e seus intérpretes nos primeiros séculos da era moderna, as ações eram classificadas se-gundo a natureza do direito material invocado ou pelo tipo de bem jurídico pretendido pela parte. Tradicionais, portanto, eram as clas-sificações das ações em pessoais (fundadas em direito pessoal) e reais (fundadas em direito real), petitórias, possessórias etc.

Sob o aspecto processual, porém, somente podem ser aceitas as classificações que levem em consideração o tipo de provimento ju-risdicional invocado ou o procedimento adotado, como alertou LI-EBMAN.

Dizia-se, então, usualmente, como fizemos em nosso Direito Pro-cessual Civil Brasileiro, Ed. Saraiva,19ª edição, vol. 1, p. 43:

“Quanto ao tipo de provimento jurisdicional invocado, as ações podem ser: de conhecimento, de execução e cautelares.

Será tutela jurisdicional de conhecimento quando o autor pede uma decisão ou sentença ao juiz sobre o mérito de sua pretensão, para que outrem, o réu, seja compelido a submeter-se à vontade da lei que teria violado. Neste caso, o processo desenvolve-se com a produção de provas e alcança uma sentença de declaração, consti-tuição (modificação de relações jurídicas) ou condenação.

A declaração e a constituição, por si mesmas, atendem os objetivos desejados pelo autor. Todavia, a condenação pode, ainda, encon-trar no réu resistência para seu cumprimento. É preciso, portanto, que prossiga a atuação da jurisdição, agora de forma diferente, pa-ra que concretamente se obtenha a efetivação do direito já declara-do na sentença, sobre o qual se impôs a sanção civil condenatória.

A tutela jurisdicional será, neste caso, ainda que desdobrando-se em continuidade ao conhecimento, de execução, ou de natureza executiva, desenvolvendo-se o processo mediante atos concretos de invasão do patrimônio jurídico do réu para a satisfação da de-terminação contida na sentença, inclusive com a expropriação de bens do devedor para o pagamento do credor, se for o caso. A tute-la se diz, aí, satisfativa.

Todavia, seja durante o processo de conhecimento, seja antes da concretização da execução, pode ocorrer que a demora venha a acarretar o perecimento do direito pleiteado pelo autor, que está exercendo seu direito de ação. Daí, então, prever o sistema pro-cessual outra forma de pedido e, conseqüentemente, de tutela ju-risdicional, a tutela cautelar. Para evitar, portanto, o periculum in mora, existe o provimento cautelar, que tem por fim, provisoriamen-te, garantir a permanência e integridade do direito até que se con-cretize a sua execução.

As ações de conhecimento, por sua vez, subdividem-se em ações declaratórias, constitutivas e condenatórias. Serão declaratórias quando o pedido for de uma decisão que simplesmente declare a existência ou inexistência de uma relação jurídica (ex., a declara-ção da inexistência de um débito); constitutivas, quando o pedido visar a criação, modificação ou extinção de relações jurídicas (ex., ação de separação judicial, antigo desquite); e condenatórias quando visam a imposição de uma sanção, ou seja, uma determi-nação cogente, sob pena de execução ou cumprimento coativos”.

Já se alertava, porém:

“Observe-se que não existem ações pura e exclusivamente decla-ratórias, constitutivas ou condenatórias ou exclusivamente de co-nhecimento, de execução ou cautelar, porque pode haver pedido de provimento executivo em processo de conhecimento e no de execução ou cumprimento da sentença também há cognição, ainda que de profundidade e finalidade diferentes.”

As alterações do Código de Processo Civil, porém, desencadeadas a partir de 1992, tornaram o que era exceção em regra e desmonta-ram a linearidade ou a lógica da classificação tradicional.

As principais modificações que abalaram os conceitos foram princi-palmente às seguintes.

— Instituição, em caráter geral, da tutela antecipada e a posterior da fungibilidade com a cautelar (artigo 273).

— Alteração do artigo 461 e acréscimo do art. 461-A.

— Instituição do sistema de cumprimento da sentença em substitui-ção da execução como processo (Lei nº 11.232/2005).

— Adoção da possibilidade de julgamento antecipadíssimo de méri-to (art. 285-A).

É evidente que não é mais possível continuar repetindo que as a-ções são de conhecimento, execução e cautelares, uma vez que as cargas das sentenças já não podem ser identificadas tão separa-damente como na classificação tradicional. Apesar desde Pontes de Miranda afirmar-se que as sentenças teriam múltiplas cargas, sendo uma delas a predominante, no momento essa realidade ficou ainda mais patente, a ponto de se poder dizer que, em princípio, não existe mais sentença de carga única ou mesmo em que uma delas tenha significativa predominância.

Não é possível, pois, continuar classificando as ações e as senten-ças como de conhecimento, de execução e cautelares simploria-mente. Esses elementos estão de tal forma integrados que, por e-xemplo, dizer que uma sentença é condenatória é dizer pouco ou quase nada.

Para suscitar a reflexão e o debate apresentamos, então, a seguin-te proposta de classificação das ações.

— Ações de conhecimento declaratórias

— Ações de conhecimento executivas (conhecimento + força exe-cutiva)

Declaratórias

Constitutivas

de obrigação de fazer

Condenatórias de entrega de coisa de quantia

— Ações executivas enquanto processo

— Título extrajudicial contra a Fazenda Pública

por título judicial: de alimentos

de sentença arbitral

de sentença estrangeira

de sentença penal condenatória

— Ações cautelares

Algumas explicações.

O primeiro tipo de ações é o daquelas em que o pedido cinge-se, expressamente, à declaração da existência ou inexistência de rela-ção jurídica e também as declaratórias de Direito, como a ação di-reta de declaração de inconstitucionalidade. O destaque dessas ações justifica-se porque a nova redação do artigo 475-N leva à conclusão de que há ações de pedido aparentemente declaratório mas que têm força ou efeito executivo. Como está no dispositivo, é título executivo judicial a “sentença proferida no processo civil que reconheça a obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia”, expressão que substituiu a tradicional “sentença condena-tória proferida no processo civil”.

“Reconhecer” a obrigação significa que declarar a sua existência é suficiente para dar à declaração a força ou efeito executivo, tendo em vista que esse reconhecimento constitui título executivo. Daí decorre, então, que, pedido o reconhecimento da obrigação, encon-tra-se implícito o pedido condenatório como também está implícito na sentença a força e o efeito condenatórios. Não se exclui, porém, a possibilidade de o autor pedir expressamente que a sentença se limite ao conteúdo declaratório, ou seja, com renúncia expressa do efeito executivo, daí a existência de dois tipos de ações: a declara-tória pura e a declaratória executiva, que tem o pedido condenató-rio implícito, presumido.

Um aspecto interessante na redação do artigo 475-N, aliás, trazido pelo professor Carlos Alberto Carmona, nosso colega na Faculdade de Direito, é o de que a ação declaratória negativa com efeito exe-cutivo tornou-se dúplice, inclusive quanto à executoriedade, ou se-ja, julgado improcedente o pedido de inexistência de relação jurídi-ca significa o reconhecimento da relação jurídica ou do direito do Réu, com força executiva contra o autor.

O segundo tipo de ações é o das ações de conhecimento executi-vas em que no pedido encontra-se também o das providências e-xecutivas decorrentes da procedência. O pedido principal será de declaração (no caso acima exposto), constituição ou condenação e o pedido sucessivo (no sentido de conseqüente) é de natureza e-xecutiva, de cumprimento no disposto na sentença.

Não há mais razão de excluir dessa natureza as antigas ações de-claratórias e as constitutivas, porque, no caso das declaratórias, podem elas constituir título executivo, artigo 475-N, I, e no caso das constitutivas elas também se cumprem, como se cumprem de regra as condenatórias, ainda que com medidas diferentes. Como sus-tentamos em nosso Execução Contra a Fazenda Pública, Saraiva, 1986, são medidas executivas em sentido amplo todas as providências para cumprimento da sentença, em execução indireta, propriamente dita enquanto processo ou compensatória.

As condenatórias, por sua vez, podem ser de obrigação de fazer ou não fazer (incluídas as chamadas mandamentais), de entrega de coisa e de quantia, todas com conteúdo executivo e que se cumpri-rão nos termos do artigo 475-I e seguintes com as remissões cons-tantes do capítulo. Nesta categoria incluem-se as sentenças homo-logatória de conciliação e transação e que homologa acordo extra-judicial.

O terceiro tipo de ações é o das ações executivas enquanto pro-cesso, que são as execuções fundadas em título executivo extraju-dicial e as por título judicial contra a Fazenda Pública, de alimentos, da sentença arbitral, da sentença estrangeira e da sentença penal condenatória.

Nas ações fundadas em título executivo extrajudicial há dois níveis de cognição: uma cognição superficial sobre a existência do título e seus eventuais vícios aparentes, que pode e deve ser feita de ofí-cio, mas pode também ser provocada pelo devedor mediante a chamada exceção de pré-executividade; e uma plena e eventual se houver a interposição de embargos.

Nas ações de execução enquanto processo por título judicial, além da cognição superficial acima referida, pode haver cognição limita-da aos casos dos artigos 475-L e 741 e as matérias não abrangidas pela coisa julgada.

Na fase executiva de cumprimento das sentenças das ações de conhecimento executivas haverá a cognição superficial e limitada eventual se houver impugnação, cingindo-se às matérias do art. 475-L.

Finalmente, o quarto tipo de ação é a das cautelares. As medidas cautelares podem estar inseridas nas demais ações, mas podem também constituir processo se antecedentes à ação ou incidentais se a medida não puder ser apreciada nos próprios autos da ação. Esta parece-nos a nova classificação dos sistemas processuais e das ações decorrente de uma visão atualizada do Direito Proces-sual, valendo como sugestão para reflexão e debate.

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