quarta-feira, 7 de outubro de 2009

CONTESTAÇÃO


CONTESTAÇÃO[1]

Humberto Theodoro Junior

CAPÍTULO IV PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (FASE POSTULA TÓRIA)

§ 57. CONTESTAÇÃO

Sumário: 380. Conceito. 381. Conteúdo e forma da contestação. 382. Ônus da defesa especificada. 383. Preliminares da contestação. 384. Conhecimento ex officio das preliminares. 385. Réplica ou impugnação do autor.

380. Conceito

O direito de ação, como direito subjetivo público, autônomo e abstrato, que visa à tutela jurisdicional do Estado, não cabe apenas ao autor. Assim como este o exercita, através da petição inicial, o réu, da mesma forma, também o faz através da contestação; pois, tanto no ataque do primeiro, como na defesa do segundo, o que se busca é uma só coisa: a providência oficial que há de pôr fim à lide, mediante aplicação da vontade concreta da lei à situação controvertida.

Daí a lição de Couture de que o direito de defesa em juízo se afigura como um direito paralelo à ação manipulada pelo autor. Pode-se dizer, com o grande mestre, que é a ação do réu. "O autor pede justiça reclamando algo contra o demandado e este pede justiça solicitando a repulsa da demanda."(18)

Como o autêntico direito de ação, o direito de defender-se não está vinculado ao direito material. É puramente processual, tanto que, mesmo sem o menor resquício de amparo em direito substancial comprovado, sempre se assegura ao réu o direito formal de formular sua contestação ao pedido do autor.

Há, porém, profunda diferença entre a ação do autor e a contestação do réu. "Na ação, o autor formula uma pretensão, faz um pedido. Diversamente, na defesa não se contém nenhuma pretensão, mas resistência à pretensão e ao pedido do autor."(19)

O contestante, na realidade, ao usar o direito abstrato de defesa, busca tão-somente libertar-se do processo em que o autor o envolveu. Isto pode ser feito de duas maneiras, isto é:

a) através de ataque à relação processual, apontando-lhe vícios que a invalidem ou tornem inadequada ao fim colimado pelo autor; ou

b) por meio de ataque ao mérito da pretensão do autor.

Contestação, portanto, é o instrumento processual utilizado pelo réu para opor-se, formal ou materialmente, à pretensão deduzida em juízo pelo autor.

381. Conteúdo e forma da contestação

A forma da contestação é a de petição escrita, endereçada ao juiz da causa (art. 297).

Nela o réu tem que alegar "toda a matéria de defesa, expondo as raz·es de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor, e especificando as provas que pretende produzir" (art. 300).

O ônus de argüir na contestação “toda a matéria de defesa” é consagração, pelo Código, do princípio da eventualidade ou da concentração, que consiste na preclusão do direito de invocar em fases posteriores do processo matéria de defesa não manifestada na contestação.

Dessa forma, incumbe ao réu formular, de uma só vez, na contestação, todas as defesas de que dispõe, de caráter formal ou material, salvo apenas aquelas que constituem objeto específico de outras respostas ou incidentes, como as exceções e a reconvenção. Se alguma argüição defensiva for omitida nessa fase, impedido estará ele, portanto, de levantá-la em outros momentos ulteriores do procedimento.

Há, porém, três hipóteses em que o Código abre exceção ao princípio da eventualidade ou concentração da defesa, para permitir que o réu possa deduzir novas alegações no curso do processo, depois da contestação.

Isso é possível quando as novas alegações (art. 303):

I – sejam relativas a direito superveniente;

II – quando a matéria argüída for daquelas que o juiz pode conhecer de ofício;

III – quando, por expressa autorização legal, a matéria puder ser formulada em qualquer tempo e juízo.

382. Ônus da defesa especificada

Além do ônus de defender-se, o réu tem, no sistema de nosso Código, o ônus de impugnar especificadamente todos os fatos arrolados pelo autor. Pois, dispõe o art. 302 que "cabe também ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial", sob pena de presumirem-se verdadeiros "os fatos não impugnados".

É, de tal sorte, ineficaz a contestação por negação geral, bem como “a que se limita a dizer não serem verdadeiros os fatos aduzidos pelo autor”.(20)

Diante do critério adotado pela legislação processual civil, os fatos não impugnados precisamente são havidos como verídicos, o que dispensa a prova a seu respeito.(21) Quando forem decisivos para a solução do litígio, o juiz deverá, em face da não impugnação especificada, julgar antecipadamente o mérito, segundo a regra do art. 330, nº I.

Ressalvou, no entanto, o art. 302, três casos em que não ocorre a presunção legal de veracidade dos fatos não impugnados pelo contestante. São os seguintes:

I – quando não for admissível, a respeito deles, a confissão: é o caso dos direitos indisponíveis, como os relacionados com a personalidade e o estado das pessoas naturais;

II – quando a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público que a lei considerar da substância do ato: a norma harmoniza-se com o art. 366, onde se diz que "quando a lei exigir, como da substância do ato, o instrumento público, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta";

III – quando os fatos não impugnados estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto: isto pode acontecer quando o autor arrola uma seqüência de fatos e o réu impugna diretamente apenas alguns, mas da impugnação destes decorre implicitamente a rejeição dos demais, por incompatibilidade lógica entre o que foi argüido e os fatos não apreciados pelo contestante. Se o réu, por exemplo, baseia sua defesa no álibi de não ter sequer estado presente no local em que ocorreu o ato ilícito que lhe é imputado, implicitamente estarão impugnados todos os demais fatos alegados pelo autor que pressuponham a referida presença do contestante.

Há, também, outro caso em que a presunção de veracidade dos fatos não impugnados deixa legalmente de operar: ocorre quando a contestação é formulada por advogado dativo, curador especial ou órgão do Ministério Público (art. 302, parágrafo único). É que, em tais circunstâncias, o relacionamento entre o representante e o representado não tem a intimidade ou profundidade que é comum entre os clientes e seus advogados normalmente contratados.

383. Preliminares da contestação

A contestação, em nosso sistema processual, não é apenas meio de defesa de ordem material ou substancial. Cabe ao réu usá-la, também, para as defesas de natureza processual, isto é, para opor ao autor alegações que possam invalidar a relação processual ou revelar imperfeições formais capazes de prejudicar o julgamento do mérito.

Essas argüições meramente processuais se revestem de caráter prejudicial, de maneira que seu exame e solução hão de preceder à apreciação do litígio (mérito).

Por isso, dispõe o art. 301 que compete ao contestante, antes de discutir o mérito, alegar, se for o caso, as seguintes preliminares:

I – Inexistência ou nulidade da citação. Trata-se de exceção ou defesa dilatória, porque o comparecimento do réu supre a citação (art. 214, § 1º); mas seu acolhimento pode levar à reabertura do prazo de resposta, na hipótese do art. 214, § 2º.

II – Incompetência absoluta. Juiz absolutamente incompetente é aquele a que falta competência para a causa, em razão da matéria ou da hierarquia (art. 111). A defesa, aqui, também é dilatória, pois seu acolhimento não leva à extinção do processo, mas à remessa dele ao juiz competente.

A incompetência relativa não pode ser argüida em preliminar da contestação, uma vez que o Código exige que seja objeto de incidente específico, nos termos dos arts. 307 a 311. Se não for suscitado, em forma regular o incidente, haverá prorrogação da competência do juiz que tomou conhecimento da inicial. Todavia, o uso indevido da preliminar, em lugar da exceção apartada, tem sido considerado mera irregularidade formal” pela jurisprudência (ver nº 176, retro).

III – Inépcia da inicial. É defesa processual peremptória, já que dá lugar à extinção do processo, sem julgamento do mérito. É acolhível nos casos previstos no art. 295, parágrafo único.

IV – Perempção. É, também, defesa peremptória. Ocorre a perempção quando o autor dá ensejo a três extinções do processo, sobre a mesma lide, por abandono da causa (art. 268, parágrafo único). Em conseqüência da perempção, embora não ocorra extinção do direito subjetivo material, fica o autor privado do direito processual de renovar a propositura da mesma ação. Pode, todavia, a questão ser suscitada em defesa.

V – Litispendência. A existência de uma ação anterior igual a atual impede o conhecimento da nova causa. Ocorre litispendência, segundo o Código, "quando se reproduz ação anteriormente ajuizada" (art. 301, § 1º) e que ainda esteja em curso, pendendo de julgamento (§ 3º). Define, outrossim, o § 2º do mesmo artigo, o que se deve entender por ação idêntica, dizendo que, para haver litispendência, é necessário que nas duas causas sejam as mesmas as partes, a mesma a causa de pedir, e o mesmo o pedido (veja-se, retro, o nº 264). A exceção de litispendência, que visa a impedir a duplicidade de causas sobre um só litígio, quando acolhida, é defesa peremptória.

VI – Coisa julgada. Com o advento da coisa julgada, o dispositivo da sentença torna-se imutável e indiscutível (art. 467). Daí a impossibilidade de renovar-se a propositura de ação sobre o mesmo tema. Para acolhimento da preliminar de coisa julgada, é necessário que ocorra identidade de partes, causa petendi e pedido, tal como se passa com a litispendência (art. 301, §§ 1º e 2º). A diferença entre essas duas figuras processuais está em que a litispendência ocorre com relação a uma causa anterior ainda em curso, e a coisa julgada relaciona-se com um feito já definitivamente julgado por sentença, de que não mais cabe nenhum recurso (art. 301, § 3º). É, igualmente, defesa processual peremptória.

VII – Conexão. Ocorre a conexão entre várias ações nos casos previstos no art. 103 (comunhão de objeto ou de causa de pedir). A defesa que invoca a conexão é apenas dilatória, já que não visa à extinção do processo, mas apenas à reunião das causas conexas (art. 105). Os autos, no caso de acolhimento da preliminar, são simplesmente remetidos ao juiz que teve preventa sua competência, segundo as regras dos arts. 106 e 219. Compreende-se, por outro lado, na expressão conexão, utilizada pelo art. 301, nº VII, também a continência (art. 104), porque além de ser esta uma figura que lato sensu, se contém no conceito de conexão, produz processualmente a mesma conseqüência que esta.

VIII – Incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização. Cuida-se agora de vários pressupostos processuais, ou seja, de requisitos necessários para que a relação processual se estabeleça e se desenvolva eficazmente.

Essa defesa formal é simplesmente dilatória porque, ao acolhê-la, o juiz não extingue, desde logo o processo, mas sim enseja oportunidade à parte para sanar o vício encontrado. Só depois de, eventualmente, não ser cumprida a diligência, é que, então, haverá a extinção do processo. Aí, sim, a defesa processual assumirá a figura de exceção peremptória.

IX – Convenção de arbitragem. O juízo arbitral, nos casos em que a lei o permite (Lei nº 9.307, de 23.09.96), é modo de excluir a aptidão da jurisdição para solucionar o litígio. Se as partes ajustaram o compromisso para julgamento por árbitros, ilegítima será a atitude de propor ação judicial sobre a mesma lide. A defesa processual que opõe à ação a preexistência de compromisso arbitral é peremptória.

X – Carência de ação. Ocorre a carência de ação quando não concorrem, no caso deduzido em juízo, as condições necessárias para que o juiz possa examinar o mérito da causa e que são a legitimidade das partes, o interesse processual do autor e a possibilidade jurídica do pedido (vejam-se, retro, os nos 52 e 53).

XI – Falta de caução ou de outra prestação, que a lei exige como preliminar. A preliminar, na espécie, configura defesa processual dilatória. O juiz, ao acolhê-la, deve ensejar oportunidade ao autor para sanar a falha. Se não houver o suprimento, no prazo marcado, a preliminar assumirá força de peremptória e o juiz decretará, então, a extinção do processo, sem julgamento do mérito.

384. Conhecimento "ex officio" das preliminares

O juízo arbitral, mesmo quando previamente compromissado, pode ser renunciado, até mesmo de forma tácita. Basta, por exemplo, ao réu não alegá-lo na contestação para presumir-se a renúncia ao julgamento que antes fora confiado aos árbitros. Assim, não pode o juiz conhecer ex officio da preliminar do inciso IX do art. 301.

Todas as demais preliminares do referido artigo devem, no entanto, ser apreciadas e decididas pelo juiz, de ofício, isto é, independentemente de argüição pelo contestante (art. 301, § 4º).

Esse poder do julgador decorre, na espécie, do fato de que qualquer uma das referidas preliminares afeta os requisitos de constituição ou desenvolvimento válido e regular do processo, matéria na qual há, sem dúvida, evidente interesse público.

385. Réplica ou impugnação do autor

Para manter a observância do princípio do contraditório, sempre que a contestação contiver defesa indireta de mérito, ou seja, quando o réu invocar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado na inicial, o juiz mandará ouvir o autor sobre a resposta, em 10 dias (art. 326).

A mesma audiência do autor será observada, também, quando o contestante argüir qualquer das preliminares previstas no art. 301 (art. 327).

Em ambos os casos, além de se permitir a impugnação da defesa do réu, será facultado ao autor produzir prova documental (arts. 326 e 327).


[1] CURSO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, Vol. I, 23a. ed, p. 377

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